Novo plano para erradicação do trabalho escravo é lançado

09/09/2008

Documento, com 66 ações de enfretamento, repressão e prevenção a esse crime, passa a contemplar trabalhadores estrangeiros e o setor empresarial. A reforma do Plano Nacional baseou-se em demandas da sociedade civil

Por Bianca Pyl

2º Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo foi lançado nesta quarta-feira (10) no Ministério da Justiça, em Brasília. O novo documento,  elaborado pela Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), conta com 66 ações para prevenir e punir esse crime. As metas estabelecidas têm como responsáveis diversos órgãos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além de entidades da sociedade civil e a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

As principais ações contemplam a prevenção, reinserção dos trabalhadores e repressão econômica, “pontos que deixaram a desejar na execução do plano anterior”, explica Andrea Bolzon, coordenadora do projeto de combate ao trabalho escravo da OIT.

Para Andrea, o segundo plano tem a vantagem de partir da avaliação do documento anterior. “A Conatrae passou por um processo de olhar para o primeiro plano e ver quais metas foram cumpridas, quais não foram e a razão disso. Com base nisso, o novo documento tem mais chances de ser executado. Além de ter metas realistas”, diz.

Xavier Plassat, coordenador da Campanha Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) contra o trabalho escravo, concorda com Andrea. “O plano anterior passou pelo crivo da experiência. Verificamos falhas metodológicas, executivas e no monitoramento do cumprimento das metas. Ele tinha mais ações no que diz respeito a articulações institucionais, e o novo tem ações mais concretas, principalmente de repressão efetiva”, afirma.

Entre as ações de repressão econômica, estão a proibição de acesso a créditos aos relacionados no cadastro de empregadores que utilizam mão-de-obra escrava, tanto de instituições financeiras públicas (como já vem acontecendo), mas também de privadas, e a proibição de participar de licitações públicas. “Essas metas são o ponto forte do plano. Elas começaram a ser pensadas a partir da “lista suja“, da análise da cadeia produtiva dos empregadores que utilizam esse crime e do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que reúne o setor empresarial no combate a essa prática”, comenta.

Estrangeiros submetidos ao trabalho em situação análoga à escravidão ou a condições degradantes de trabalho foram lembrados em ações que pretendem criar estruturas de atendimento jurídico e social para esses trabalhadores, incluindo a emissão da documentação necessária para legalizar a sua situação, e alterar o Estatuto do Estrangeiro para regularizar a condição de empregados encontrados em condições inadequadas de trabalho.

Parte das ações do novo plano havia sido sugeridas pela Carta de Açailândia, elaborada durante a 2ª Conferência Interparticipativa sobre Trabalho Escravo e Superexploração em Fazenda e Carvoaria, em 2006.

Para Cláudio José Montesso, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) o foco do novo plano deve ser nas alterações de leis. “O novo documento dá ênfase na questão do Legislativo, não só com a aprovação da PEC 438 como também com a ampliação da pena para quem for condenado pelo crime. O governo deu sinal de que irá se empenhar nesses pontos. Se tivermos os instrumentos legais para intimidar a prática desse crime, ficará muito mais fácil cumprir as outras ações”.

O plano prevê a busca pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 438, que ficou conhecida como a “PEC do Trabalho Escravo”, que prevê o confisco e a destinação para a reforma agrária de todas as terras onde esse desrespeito ao ser humano seja flagrado. A proposta já foi aprovada no Senado e depende de confirmação em segunda votação na Câmara dos Deputados.

Para Xavier Plassat, a Conatrae precisa trabalhar em um ritmo mais acelerado para conseguir verificar se estão sendo cumpridas as metas, tantos dos planos estaduais quanto do nacional.

Avanços
Segundo dados da Organização Mundial do Trabalho, 68,4% das metas do primeiro plano foram total ou parcialmente atingidas. Houve avanços significativos na área de sensibilização e capacitação de atores para o combate ao trabalho escravo e na conscientização de trabalhadores pelos seus direitos. A fiscalização melhorou e, em conseqüência, houve um salto no número de libertados. O Ministério Público do Trabalho passou a estar presente em quase todas as operações de libertação de trabalhadores. Com isso, houve um aumento de ações civis públicas sendo ajuizadas.

Dificuldades
Apesar dos avanços, o Brasil ainda encontra dificuldades para pôr em prática soluções que diminuam a impunidade. Não conseguiu avançar significativamente nas metas de promoção e cidadania. Entre elas, Xavier Plassat destaca a reforma agrária. “A reforma agrária está parada. Quando se fala nesse assunto ainda tenho dúvidas quanto ao cumprimento das metas relacionadas a elas no novo plano, mas mesmo assim, agora, essa ação é tocada com mais insistência. A dificuldade ocorre por causa do nosso modelo econômico que privilegia a expansão da fronteira agrícola”, explica.

O primeiro Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo foi lançado em 11 de março de 2003 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele foi elaborado por uma comissão especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), criada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em janeiro de 2002. O plano tinha 76 medidas de combate ao trabalho escravo, entre elas a criação da Conatrae. Em 2004, a OIT analisou o cumprimento das metas. A avaliação está na publicação Trabalho Escravo no Século XXI.

Revisão de plano contra trabalho escravo reforça expectativas

16/01/2008

Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) definirá novas metas para o Plano Nacional sobre o tema no início de 2008. Avaliação de entidades é de que o combate ao trabalho escravo saiu fortalecido de 2007

Por Beatriz Camargo e Vanusia Gonçalves

O ano de 2007 definitivamente não foi fácil para as entidades governamenatais e não-governamentais envolvidas no combate ao trabalho escravo. Mas as disputas, as pressões e os debates relacionados ao tema que movimentaram o conturbado período fizeram de 2007 um ano de avanços. Contribuíram também para gerar mais expectativas com relação aos desafios para 2008.

O Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, principal eixo de ações contra a prática desse crime no país, está sendo revisto e pode ser aprovado pela Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), ligada à Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), ainda em fevereiro. “Vamos atualizar as metas, até mesmo por causa de uma perspectiva histórica. Isso traz novo fôlego para as entidades”, comenta José Guerra, assessor da SEDH.

O esforço para a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, que prevê o confisco de terras onde houver flagrante de trabalho escravo, permanece como uma das prioridades para 2008 na opinião de Xavier Plassat, coordenador da campanha nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) contra o trabalho escravo. Para ele, outro objetivo para este ano diz respeito ao empenho para que haja um aumento de ações da Justiça Federal contra a escravidão contemporânea. Há um ano, a competência para julgar esse crime foi definida pelo Superior Tribunal Federal (STF).

Frei Xavier também frisa que é preciso uma “implementação efetiva, com mobilização social, das políticas estaduais de combate ao trabalho escravo, fazendo uma cobrança acirrada do pacto interestadual contra esse crime”, que materializa uma articulação inédita de seis estados – Pará, Maranhão e Piauí. Ele destaca também a necessidade de fortalecimento dos instrumentos de pressão econômica sobre a cadeia produtiva dos produtos vindos da escravidão.

O governo deveria apoiar as iniciativas de geração de emprego e renda voltadas à integração social dos trabalhadores resgatados e sua famílias, recomenda Carmen Bascarán, coordenadora do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (CDVDH), localizado na região de Carajás, onde há grande incidência de casos de trabalho escravo e de aliciamento de mão-de-obra. “Pela miséria na qual subsistem, essas pessoas são chamados a engrossar as filas dos escravos do século XXI.”

Carmen corrobora a posição de Xavier Plassat e cobra uma política agrária mais consistente de incentivo à produção de pequenas e médias propriedades rurais. “A agricultura extensiva, o agronegócio e o latifúndio são fonte, causa e conseqüência da permanência do trabalho escravo, da superexploração e das mortes por excesso de trabalho.”

A injeção de ânimo na Conatrae que pode ser impulsionada pelo engajamento de novos integrantes anima Andrea Bolzon, coordenadora do projeto de combate ao trabalho escravo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) Brasil. “Várias instituições que fazem parte da Conatrae trocaram seus representantes na instância. Vemos isso com interesse. Provavelmente, teremos que reconstruir alguns vínculos, mas isso é positivo”, analisa

Metas do governo
Neste ano, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) conta com um orçamento reforçado para o combate ao trabalho escravo e quer instituir medidas mais preventivas. Ruth Vilela, chefe da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do MTE, declarou à Repórter Brasil que pretende destacar pelo menos uma equipe do grupo móvel para ficar permanentemente no monitoramento de fazendas da “lista suja”, que relaciona empregadores flagrados pela utilização criminosa de mão-de-obra escrava.

Preocupado com os problemas trabalhistas na cana-de-açúcar (setor que concentrou fiscalizações de empreendimentos de grande porte em 2007 – veja retrospectiva abaixo), o MTE encaminhou uma notificação preventiva às usinas contendo especificações sobre condições de trabalho – como alojamento, alimentação e água potável – e atenção especial à remuneração por produção. “Nossa preocupação prioritária é com o corte manual da cana”, reforça Ruth.

Além disso, o Ministério tem um projeto piloto, que será anunciado em breve, para acompanhar a migração de trabalhadores para fora dos estados de origem. A idéia é que a contratação de trabalhadores rurais seja feita por meio de instituições oficiais, em agências de emprego rurais mantidas pelo governo, e não mais por “gatos” (intermediário de empreitadas a serviço do fazendeiro). Segundo Ruth Vilela, o projeto inclui os estados Bahia, Maranhão e Piauí e, se for bem-sucedido, poderá ser expandido a outros estados.

Retrospectiva 2007
O número de trabalhadores libertados pelo grupo móvel atingiu a marca recorde de 5.877 pessoas em 2007, de acordo com dados divulgados pelo MTE nesta quarta-feira (17). Levantamentos prévios paralelos feitos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) dão conta da libertação de 5.467 trabalhadores da escravidão em 2007, contra 3.666 resgatados em 2006.

Em 2007, o grupo móvel enfrentou uma prova de fogo em conseqüência das repercussões docaso da fazenda e usina Pagrisa, palco da operação que constatou 1064 escravizados no empreendimento em Ulianópolis (PA). Foi a maior libertação realizada pelo governo desde 1995, quando o grupo móvel foi criado. A autuação da Pagrisa por trabalho escravo implicou na mobilização de lideranças empresariais e políticos que saíram em defesa da empresa e tentaram desqualificar o trabalho de fiscalização do governo. Foi instalada inclusive uma Comissão Externa no Senado com a finalidade específica de apurar possíveis abusos da equipe que atuou no caso.

Diante da pressão, as ações do grupo móvel foram suspensas por mais de 20 dias, entre setembro e outubro, sob a alegação de que seeria preciso garantir a segurança dos auditores fiscais. O impasse gerou manifestações de diversas entidades ligadas ao combate à escravidão, que criticaram a intervenção do Senado e pediram a volta das atividades do grupo móvel. “Nós tivemos uma fase de aparente fragilidade, mas conseguimos reverter o quadro com ajuda dos parceiros e logo pudemos retomar o trabalho”, comenta Ruth Vilela.

Além do caso Pagrisa, outro caso que ganhou repercussão foi o dos mais de 800 indígenas resgatados de trabalho degradante da fazenda e usina Debrasa, em Brasilândia (MS), pertencente à Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool (CBAA), que faz parte do poderoso grupo José Pessoa. A fiscalização encontrou condições bastante precárias de transporte e alojamento. Por causa da operação, as empresas do grupo foram suspensas do Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, e o presidente José Pessoa Queiroz Bisneto foi afastado do Conselho Consultivo do Instituto Ethos.