16/01/2008
Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) definirá novas metas para o Plano Nacional sobre o tema no início de 2008. Avaliação de entidades é de que o combate ao trabalho escravo saiu fortalecido de 2007
Por Beatriz Camargo e Vanusia Gonçalves
O ano de 2007 definitivamente não foi fácil para as entidades governamenatais e não-governamentais envolvidas no combate ao trabalho escravo. Mas as disputas, as pressões e os debates relacionados ao tema que movimentaram o conturbado período fizeram de 2007 um ano de avanços. Contribuíram também para gerar mais expectativas com relação aos desafios para 2008.
O Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, principal eixo de ações contra a prática desse crime no país, está sendo revisto e pode ser aprovado pela Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), ligada à Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), ainda em fevereiro. “Vamos atualizar as metas, até mesmo por causa de uma perspectiva histórica. Isso traz novo fôlego para as entidades”, comenta José Guerra, assessor da SEDH.
O esforço para a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, que prevê o confisco de terras onde houver flagrante de trabalho escravo, permanece como uma das prioridades para 2008 na opinião de Xavier Plassat, coordenador da campanha nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) contra o trabalho escravo. Para ele, outro objetivo para este ano diz respeito ao empenho para que haja um aumento de ações da Justiça Federal contra a escravidão contemporânea. Há um ano, a competência para julgar esse crime foi definida pelo Superior Tribunal Federal (STF).
Frei Xavier também frisa que é preciso uma “implementação efetiva, com mobilização social, das políticas estaduais de combate ao trabalho escravo, fazendo uma cobrança acirrada do pacto interestadual contra esse crime”, que materializa uma articulação inédita de seis estados – Pará, Maranhão e Piauí. Ele destaca também a necessidade de fortalecimento dos instrumentos de pressão econômica sobre a cadeia produtiva dos produtos vindos da escravidão.
O governo deveria apoiar as iniciativas de geração de emprego e renda voltadas à integração social dos trabalhadores resgatados e sua famílias, recomenda Carmen Bascarán, coordenadora do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (CDVDH), localizado na região de Carajás, onde há grande incidência de casos de trabalho escravo e de aliciamento de mão-de-obra. “Pela miséria na qual subsistem, essas pessoas são chamados a engrossar as filas dos escravos do século XXI.”
Carmen corrobora a posição de Xavier Plassat e cobra uma política agrária mais consistente de incentivo à produção de pequenas e médias propriedades rurais. “A agricultura extensiva, o agronegócio e o latifúndio são fonte, causa e conseqüência da permanência do trabalho escravo, da superexploração e das mortes por excesso de trabalho.”
A injeção de ânimo na Conatrae que pode ser impulsionada pelo engajamento de novos integrantes anima Andrea Bolzon, coordenadora do projeto de combate ao trabalho escravo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) Brasil. “Várias instituições que fazem parte da Conatrae trocaram seus representantes na instância. Vemos isso com interesse. Provavelmente, teremos que reconstruir alguns vínculos, mas isso é positivo”, analisa
Metas do governo
Neste ano, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) conta com um orçamento reforçado para o combate ao trabalho escravo e quer instituir medidas mais preventivas. Ruth Vilela, chefe da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do MTE, declarou à Repórter Brasil que pretende destacar pelo menos uma equipe do grupo móvel para ficar permanentemente no monitoramento de fazendas da “lista suja”, que relaciona empregadores flagrados pela utilização criminosa de mão-de-obra escrava.
Preocupado com os problemas trabalhistas na cana-de-açúcar (setor que concentrou fiscalizações de empreendimentos de grande porte em 2007 – veja retrospectiva abaixo), o MTE encaminhou uma notificação preventiva às usinas contendo especificações sobre condições de trabalho – como alojamento, alimentação e água potável – e atenção especial à remuneração por produção. “Nossa preocupação prioritária é com o corte manual da cana”, reforça Ruth.
Além disso, o Ministério tem um projeto piloto, que será anunciado em breve, para acompanhar a migração de trabalhadores para fora dos estados de origem. A idéia é que a contratação de trabalhadores rurais seja feita por meio de instituições oficiais, em agências de emprego rurais mantidas pelo governo, e não mais por “gatos” (intermediário de empreitadas a serviço do fazendeiro). Segundo Ruth Vilela, o projeto inclui os estados Bahia, Maranhão e Piauí e, se for bem-sucedido, poderá ser expandido a outros estados.
Retrospectiva 2007
O número de trabalhadores libertados pelo grupo móvel atingiu a marca recorde de 5.877 pessoas em 2007, de acordo com dados divulgados pelo MTE nesta quarta-feira (17). Levantamentos prévios paralelos feitos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) dão conta da libertação de 5.467 trabalhadores da escravidão em 2007, contra 3.666 resgatados em 2006.
Em 2007, o grupo móvel enfrentou uma prova de fogo em conseqüência das repercussões docaso da fazenda e usina Pagrisa, palco da operação que constatou 1064 escravizados no empreendimento em Ulianópolis (PA). Foi a maior libertação realizada pelo governo desde 1995, quando o grupo móvel foi criado. A autuação da Pagrisa por trabalho escravo implicou na mobilização de lideranças empresariais e políticos que saíram em defesa da empresa e tentaram desqualificar o trabalho de fiscalização do governo. Foi instalada inclusive uma Comissão Externa no Senado com a finalidade específica de apurar possíveis abusos da equipe que atuou no caso.
Diante da pressão, as ações do grupo móvel foram suspensas por mais de 20 dias, entre setembro e outubro, sob a alegação de que seeria preciso garantir a segurança dos auditores fiscais. O impasse gerou manifestações de diversas entidades ligadas ao combate à escravidão, que criticaram a intervenção do Senado e pediram a volta das atividades do grupo móvel. “Nós tivemos uma fase de aparente fragilidade, mas conseguimos reverter o quadro com ajuda dos parceiros e logo pudemos retomar o trabalho”, comenta Ruth Vilela.
Além do caso Pagrisa, outro caso que ganhou repercussão foi o dos mais de 800 indígenas resgatados de trabalho degradante da fazenda e usina Debrasa, em Brasilândia (MS), pertencente à Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool (CBAA), que faz parte do poderoso grupo José Pessoa. A fiscalização encontrou condições bastante precárias de transporte e alojamento. Por causa da operação, as empresas do grupo foram suspensas do Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, e o presidente José Pessoa Queiroz Bisneto foi afastado do Conselho Consultivo do Instituto Ethos.